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Nos dias de trabalho presencial, a rotina da head de marca e conteúdo Erica Mansberger, 33, envolve um ritual. Escutar um podcast sem relação com o trabalho enquanto se desloca para o escritório é uma das táticas da profissional para se sentir confortável e relaxada antes de reuniões ou de encontros corporativos com um número considerável de pessoas.
Ela se considera uma líder introvertida. Por isso, as interações prolongadas no trabalho costumam exigir mais energia.
“Existe um estereótipo do líder que é aquele que se posiciona, toma frente das decisões, é mais expansivo, extrovertido e fala mais. Normalmente, essas pessoas acabam tendo mais oportunidades de promoção, porque as pessoas identificam nela um líder”, diz a educadora corporativa Tábata Lopes.
Lideranças com personalidades extrovertidas representavam 96% do alto escalão dos EUA, conforme estudo dos pesquisadores Deniz Ones e Stephan Dilchert, feito com mais de 4 mil executivos em 2009.
Hoje, 14 anos depois, Tábata Lopes afirma que a percepção de que a introversão é uma barreira à liderança diminuiu, mas ainda não foi superada.
Uma liderança introvertida tem escuta ativa, é observadora, naturalmente mais quieta, reservada e se posiciona somente quando entende que é necessário, conforme descrição da neurocientista e coach executiva Vanessa Cioffi.
São traços que a executiva Erica Mansberger já havia percebido antes mesmo de assumir um cargo de liderança. Talvez por isso, tenha sido mais fácil aprimorar as habilidades e driblar os desafios.
“Olho para minha semana e tento garantir não chegar no final da semana esgotada. Porque sendo uma introvertida, ao lidar com pessoas e com reuniões, estou sempre gastando a minha energia e não me reenergizando. Acho que esse é o grande desafio de uma pessoa introvertida”, conta a profissional.
É no próprio cotidiano que Mansberger busca evidenciar os pontos fortes da sua personalidade. Se por um lado, assumir as rédeas de uma discussão dificilmente vai acontecer, por outro, a capacidade de escuta e de observação se tornam atributos importantes no ambiente de trabalho.
“Não sou aquela líder que vai levantar a mão na reunião e falar: ‘escuta aqui, vocês estão loucos?’ Sou mais de ponderar, porque escuto e absorvo. As pessoas também vão se acostumando com esse ritmo, não vou interromper ou gritar, vou juntar os argumentos. Mas isso exige priorização”, diz.
Assim como a executiva Mansberger, a líder de dados Giulia Wada, 28, sempre dedica uma parte do seu tempo para se preparar com certa antecedência para momentos de interação no trabalho. Costumam ser reuniões, fóruns com liderados e encontros com outros times da startup que trabalha, a Semente Negócios, consultoria de inovação e serviços empresariais.
Wada diz que falar em público não é um problema e até gosta de participar de palestras, mas tem um detalhe: tem de ser para grupos menores.
“Raramente vou estar em um fórum super grande ou vou abrir o microfone em uma reunião online para compartilhar de cara algo que estou elaborando. Gosto mais de ter o meu tempo para refletir e trabalhar em cima”, diz a líder de dados.
Outra estratégia é delegar demandas para os membros da equipe liderada por ela. No lugar de tomar frente de todas as funções, escolhe pessoas para apresentar projetos, por exemplo.
“Construo bastante com as pessoas que trabalham comigo, não tomo decisões sozinha imediatamente, trago informações e escuto que as pessoas têm a dizer a respeito do desafio que estamos enfrentando”, relata.
Não ter o perfil de liderança que fala o tempo todo na reunião permite que Wada explore outras qualidades, como a observação.
Ela presta bastante atenção no que as pessoas compartilham para a partir dali desenvolver métodos na área que trabalha e até criar um projeto novo.
No caso do publicitário Matheus Brenny, 41, os comportamentos introvertidos surgiram ao longo da vida adulta. Principalmente, após encarar a cadeira de liderança pela primeira vez há mais de 10 anos.
“Meus primeiros liderados tinham idade para ser meu pai. Naquele momento, entendi que precisava muito mais ouvir do que falar. Mas até aprender isso demorou uns 6 meses. Esse foi o grande aprendizado”, relembra o profissional, que chegou a liderar mais de 200 pessoas em uma multinacional.
Atualmente, ele é diretor de vendas do Portão 3, fintech de gestão de pagamentos e controle de gastos para empresas.
Desde então, Brenny adotou uma conduta profissional mais reflexiva. Em vez de se comunicar o tempo inteiro e ser o centro das atenções, decidiu fazer o caminho inverso.
“Antes parecia que eu precisava falar muito, ser mais carismático, dar palpite em tudo, tomar todas as decisões sozinho. No fim, aprendi que as pessoas são diferentes e têm vidas diferentes, então precisava muito mais ouvir”, diz.
Na hora de fechar um projeto, é o que menos fala. Enquanto os outros líderes extrovertidos opinam entre si, prefere ficar quieto, reunir as ideias explanadas e conectar tudo que foi dito.
Na visão da neurocientista Vanessa Cioffi, ter um espaço de trabalho com divergência de opiniões é extremamente saudável para a criação de inovação e criatividade. O problema, segundo Cioffi, é que as pessoas não estão preparadas para lidar com conflito de opiniões.
“Ter um ambiente de neurodiversidade, que não é visível aos olhos, é extremamente enriquecedor, mas as pessoas têm que aprender a escutar e não imaginar que o outro está discordando dela”, afirma.
O equilíbrio é alcançado com um pouco dois mundos: líderes extrovertidos e introvertidos. Mas as duas personalidades devem identificar onde se destacam.
A neurocientista explica que, se o líder extrovertido não trabalha a forma como se posiciona diante das pessoas, pode se tornar prolixo. Já o introvertido, tende a ficar muito quieto caso não treine.
O caminho recomendado por especialistas é o de evidenciar os pontos fortes dos líderes com essa personalidade. Veja dicas que podem ajudar a pessoa introvertida no ambiente de trabalho.
1) Escuta ativa
2) Pensamento estratégico e analítico
3) Ser um bom comunicador