CUMPRIU COM O QUE PROMETEU? COMO RONALDO PEGOU O CRUZEIRO E COMO ENTREGA A SAF PARA PEDRO LOURENçO

Tensão do início ao fim

Um ponto de destaque, sempre válido de relembrar em momentos como este, é citar o elo que liga a primeira entrevista coletiva de Ronaldo como dono da SAF cruzeirense, no início de 2022, com a sua última, agora em 2024.

Torcedores estavam animados imaginando um futuro melhor para o seu clube, e voltam a se sentir assim com a chegada de Pedrinho. Ronaldo exibia sorrisos tímidos, tanto no início quanto no fim, mas precisou tratar de temas que exalavam tensão. Logo que assumiu a SAF, o ex-jogador teve que falar da saída do goleiro Fábio, um dos maiores ídolos da história do clube e praticamente peça intocável na constelação cruzeirense.

“O Fábio foi e vai ser sempre um ídolo para o Cruzeiro e para a torcida cruzeirense. Nós, diante do cenário atual, fizemos um esforço muito grande para oferecer uma proposta decente a ele, respeitando sua história no clube, trajetória. E infelizmente, durante a negociação, houve uma negativa por parte dele, que também nos pegou de surpresa”, disse Ronaldo naquele 11 de janeiro de 2022.

"Todo esforço que a gente podia ter feito para o Fábio, e oferecer a ele um período para poder se despedir da torcida, da casa que foi sua durante muitos anos, foi feito. É uma pena que não chegamos a um acordo, mas temos que seguir adiante. O Cruzeiro é maior que qualquer atleta", explicou. Fábio seguiu sua vida, foi para o Fluminense e, no Rio de Janeiro, enfim conseguiu conquistar sua tão sonhada Libertadores. Com mais de 40 anos, segue a mostrar o goleiro de excelência que é – e isso, com certeza, não gera o melhor dos sentimentos nos cruzeirenses.

Já a tensão presente na coletiva de despedida de Ronaldo conversava com a pressão e cobranças feitas pela torcida. O empresário revelou o quanto a responsabilidade vinha mexendo com sua saúde mental, e que isso acabou ajudando no processo de encontrar a situação mais próxima do ideal para, então, vender sua participação e se desligar um pouco de toda a tensão que envolve administrar um clube tão grande.

Limpando a “gaveta dos desesperados”

Assim que chegou ao Cruzeiro, Ronaldo ficou surpreso com a quantidade de problemas que iam aparecendo. “A cada dia que abrimos uma gaveta encontramos uma surpresa negativa”, disse ao chegar, revelando uma instituição tão imersa no caos que mal conseguia respirar aliviada após resolver um problema.

O transfer ban, mecanismo imposto pela FIFA a clubes inadimplentes em transferências de jogadores, que acaba impossibilitando a instituição devedora de contratar novos atletas, é a maior representante destas surpresas indesejadas que chegavam em escala industrial à Toca da Raposa. O problema começou a ser resolvido sob a administração de Ronaldo, abrindo espaço para um respiro e, claro, para a contratação de jogadores.

Dívida bilionária e recuperação judicial

A forma que Ronaldo encontrou para lidar com a dívida bilionária do Cruzeiro foi a de entrar no processo de recuperação judicial. Desta forma, a SAF conseguiu organizar uma fila de pagamento e começou a quitar, ainda que pouco a pouco, os débitos do passado. Ronaldo deixa um Cruzeiro devendo cerca de R$ 547 milhões, segundo o blog do jornalista Rodrigo Mattos, do UOL, dentro do plano de recuperação judicial.

Ou seja, um avanço no pagamento da dívida já foi realizado. E uma das obrigações da administração da SAF cruzeirense com Pedrinho será manter os acordos feitos na era Ronaldo, como uma dívida fiscal na casa dos R$ 250 milhões que passou a ser responsabilidade da SAF em troca da posse dos CT’s do clube. Se entregar um Cruzeiro sem dívida era tarefa impossível para Ronaldo, ele ao menos deixa o clube com uma situação financeira minimamente organizada. A gaveta ficou organizada.

Promessa não cumprida?

Verdade seja dita, Ronaldo nunca vendeu falsas esperanças em suas palavras. O discurso sempre foi o de avançar passo a passo, com os pés no chão e entendendo o tamanho do desafio que estava pela frente. Se esticarmos um pouco a corda, o máximo que veremos foi uma declaração de intenções, e não grandes promessas.

Em suas primeiras palavras como dono da SAF cruzeirense, Ronaldo falou que seu desejo era “continuar e ficar aqui até fazer com que o clube volte a ser grande como era antes”. Ora, se o Cruzeiro não conseguiu os títulos de expressão nacional a que estava acostumado, como Copa do Brasil, e também não impediu o domínio do Atlético-MG no estadual, Ronaldo não conseguiu fazer com que a Raposa voltasse a ser tão grande como era antes. O principal feito esportivo foi o acesso e título da Série B de 2022.

A promessa que foi cumprida

Mas Ronaldo fez muita coisa. A Raposa que encontrou estava ferida e em estado crítico: “Temos que estancar o sangramento, cuidar. Diria que o Cruzeiro é um paciente em estado grave, na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). E estamos oferecendo o tratamento necessário para que saia o mais rápido possível dessa condição”, disse logo de cara.

Ter entregado um Cruzeiro de volta à elite do Brasileirão, após campanha de sucesso em uma difícil Série B em 2022, e vendo o clube conseguindo dar os primeiros passos na intenção de voltar a ter a força de antes é o que valida as palavras ditas por Ronaldo, agora em 2024, na confirmação da venda de sua participação: “Uma mistura de sentimentos bate em mim hoje, mas principalmente o sentimento de dever cumprido”, afirmou.

Ronaldo pegou um Cruzeiro deitado, na maca e praticamente na lona, e entrega o futebol do clube a Pedrinho em situação bem melhor. Ainda longe do sonho da torcida celeste, mas no caminho para, quem sabe, voltar a ser uma potência. Hoje o clube voltou a valer mais, sabe o que tem que pagar e vem quitando seus débitos. O grande feito de Ronaldo no Cruzeiro foi ter tirado o paciente da UTI. Parece pouco, mas não é.