ELEIçõES NA FRANçA: PEQUENA CIDADE ILUSTRA TEMOR ‘DO OUTRO’ QUE IMPULSIONOU VOTO NA EXTREMA DIREITA

A pequena cidade rural de Sissonne, no norte da França, ilustra o quanto “o medo do outro”, em um contexto de aumento da pobreza no país, impulsionou o voto no partido de extrema direita Reunião Nacional (RN) em todo o território. O município acolhe 115 refugiados e elegeu um deputado da ultradireita já no primeiro turno, no último domingo (30).

François-Damien Bourgery, enviado da RFI a Sissone (França)

As placas eleitorais já desapareceram das calçadas da localidade. Na cidade de 2,1 mil habitantes, situada no meio do campo, as eleições legislativas já são coisa do passado – ao contrário da maioria dos municípios franceses, que retornarão às urnas para o segundo turno, no domingo (7).

Em Sissone, a vitória foi para o candidato do Reunião Nacional Nicolas Dragon, com 57% dos votos, três pontos a mais que no restante da zona eleitoral, que reúne localidades vizinhas. O resultado é semelhante ao que foi registrado nas eleições europeias, em 9 de junho, e na maioria das votações dos últimos dez anos.

Na região de Laonnois, onde Sissonne está localizada, quatro das cinco seções eleitorais elegeram um candidato do RN no primeiro turno. Mesmo assim, o assunto continua sendo tabu nas ruas. O gerente de um café frequentado pelos moradores faz questão de lembrar que é melhor evitar a política.

“Falamos de chuva, de bom tempo, uns dos outros, mas não de política. O que os clientes disserem a você é de responsabilidade deles”, avisa a gerente à reportagem RFI. “Nós somos apolíticos”, insiste a mulher, desconfortável com a presença de um jornalista na pacata cidade.

'Seu Ninguém'

Abordar o resultado da eleição se mostra uma missão delicada: os que concordam em falar sobre o desempenho do partido de extrema direita alegam que a votação representou um “basta" da população, que se sente abandonada por Paris. “Não somos nada, não existimos, exceto quando temos que pagar impostos”, grita um aposentado, em um salão de cabeleireiro. “Inclusive, você pode me chamar de Seu Ninguém'”, sugere, ironicamente.

À primeira vista, porém, Sissonne não parece que vá tão mal assim: é bem cuidada, com floreiras ao longo da estrada que leva ao seu pequeno centro arborizado. Em termos de serviços, tem duas escolas, dois médicos, um dentista, um oftalmologista, dois restaurantes, uma farmácia, um supermercado e até uma piscina pública. Em breve, um centro com biblioteca, café e área de entretenimento e exposições será inaugurado.

Mas, nos detalhes, a realidade é diferente. As moradias custam € 1.000 por metro quadrado, a metade do valor da cidade vizinha. Uma fábrica que empregava 400 pessoas fechou há 12 anos. A renda média per capita é hoje uma das mais baixas da região. Segundo os cálculos do prefeito Christian Vannobel, cerca de 5% da população recebe uma renda básica do governo, o RSA, destinada aos franceses mais pobres. O índice é o dobro do que a média nacional.

“Temos medo pelos nossos filhos, que não encontrem emprego, medo da violência”, afirma um morador, de 50 anos.

Para Christian Vannobel, esta é a resposta para a performance do RN. “É o lado animal do ser humano que atua. É o medo que nos faz atacar. Esse medo nos empurra não só para nos fecharmos entre nós, mas também para os extremos”, interpreta o prefeito, ex-médico, que acusa o partido de Marine Le Pen de manipular os franceses com a ideia de que os problemas são sempre causados pelos outros.

População se opunha a centro de refugiados

“Os outros”, em Sissonne, vivem na estrada na saída da cidade. Cerca de 115 pessoas refugiados ou requerentes de asilo, entre elas 37 crianças, residem num edifício perto de uma caserna militar. A maioria vem do Afeganistão.

As primeiras famílias instalaram-se há seis anos, por iniciativa da Secretaria de Segurança de Aisne. “Achei maravilhoso”, diz o prefeito, eleito em 2014.

Inicialmente, foi organizada uma reunião pública para tranquilizar a população. Naquela noite, um participante ergueu um cartaz no qual se lia “Não aos refugiados”, e foram feitas algumas observações racistas. “Perguntaram sobre doenças importadas e as consequências para o mercado imobiliário”, relembra Christian Vannobel.

Seis anos depois, alguns receios foram dissipados. Uma senhora que era contrária à instalação de refugiados chegou até a pedir ao presidente da Câmara que mantivesse uma das famílias em Sissonne. “A neta dela tinha ficado amiga dos filhos desta família e não queria que eles fossem para outro centro”, relata.

O prefeito está convencido de que os refugiados são uma oportunidade para o município. “Eles ajudam a combater o abandono rural. A presença de novos alunos nos permitiu abrir mais uma turma na escola, com um intercâmbio cultural permanente com as crianças daqui”, explica.

Mas um dia antes do primeiro turno, Vannobel aconselhou aos refugiados evitarem ir à cidade na noite da eleição. Ele temia que a euforia da vitória, associada eventualmente ao  álcool, pudesse provocar atos de violência.

Estrangeiros são acusados de receber sem trabalhar

Os exilados cristalizam as frustrações de alguns dos moradores. Uma comerciante, que também prefere não se identificar, conta que não há um dia em que não se fale da presença dos estrangeiros na localidade.

“Nós os vemos com seu telefone de última geração, pagos para não fazerem nada. Damos tudo a eles, enquanto há aposentados que trabalharam toda a vida e que não têm nada”, acusa “Seu Ninguém”, reverberando o discurso da extrema direita.

Para Patou, pai de dois filhos de 16 e 11 anos, o “tudo” evocado se resume ao subsídio que o Estado francês lhe concede enquanto aguarda uma resposta sobre o pedido de asilo no país. Com o valor, ele paga a alimentação e o transporte para levar os filhos à escola. Patou diz que gostaria de poder trabalhar, mas requerentes de asilo como ele não são autorizados a fazê-lo.

Para se manter ocupado, o homem, nascido na cidade afegã de Kinshasa, passeia pelas ruas e, quando pode, vai a Paris para comprar produtos do seu país. Para ele, assim como os demais que aguardam uma resposta à solicitação de asilo, Sissonne é apenas um passo antes de poderem se instalar em uma cidade maior.

Patou teme que, se a extrema direita vencer, toda a família seja forçada a retornar ao Afeganistão. “Se não tivermos mais o pouco que temos, qual será o nosso destino? “, pergunta o pai de família.

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